Entre os muitos planos anunciados pelo presidente Lula para quando desencarnasse do governo - o que, a depender dele, não acontecerá enquanto a sua apadrinhada Dilma Rousseff ocupar a cadeira que lhe pertenceu - estava o de desmontar a "farsa" do mensalão. Em 2005, quando o escândalo irrompeu, com a denúncia do então deputado petebista Roberto Jefferson de que o PT montara um esquema para comprar deputados a fim de que votassem como o Planalto queria, primeiro Lula calou-se. Depois, temendo o estrago que o escândalo poderia acarretar para a sua reeleição no ano seguinte, declarou-se traído, sem dizer por quem, e exortou o seu partido a pedir desculpas aos brasileiros "por práticas inaceitáveis, das quais nunca tive conhecimento".
A fase de contrição durou pouco. Logo inventou a "explicação" de que o partido apenas fizera o que era comum na política nacional - manter um caixa 2 -, quando o problema de fundo era o repasse desses recursos clandestinos para corromper o Congresso. Com a agravante de que parte da bolada vinha de empresas estatais, numa operação conduzida com maestria pelo afinal famoso publicitário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza. Na versão inventada por Lula, no entanto, as malfeitorias foram infladas, quando não fabricadas pela oposição, em conluio com a "mídia golpista", para derrubá-lo da Presidência.
E a esse conto da carochinha ele continuou recorrendo mesmo depois que, em pleno ano eleitoral de 2006, o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, nomeado por ele, produziu um dos mais devastadores e fundamentados libelos já levados ao Supremo Tribunal Federal (STF). Nele, pediu a abertura de processo contra 40 suspeitos de envolvimento com a "sofisticada organização criminosa" liderada pelo então ministro da Casa Civil, José Dirceu - o "chefe da quadrilha". Lula tampouco mordeu a língua quando, no ano seguinte, o STF acolheu a denúncia contra os citados, e o ministro Joaquim Barbosa, também levado à Corte por ele, começou a tocar a ação da qual foi designado relator, com empenho e independência.
Agora, a "farsa" de Lula tornou a ser exposta em sua inteireza. O procurador-geral Roberto Gurgel, que sucedera a Antonio Fernando e acabou de ser mantido para um segundo mandato pela presidente Dilma Rousseff, pediu anteontem ao Supremo que condene à prisão 36 dos 40 denunciados por crimes que incluem formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
São 36 porque, no decorrer do processo, um dos indiciados (José Janene, ex-tesoureiro do PP) faleceu e outro (Sílvio Pereira, ex-secretário geral do PT, um dos líderes do esquema) se livrou do processo em troca do cumprimento de pena alternativa. Além disso, por falta de provas, Gurgel pediu a absolvição de um certo Antonio Lamas - irmão do réu Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do antigo PL - e do ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken. A denúncia contra ele, por coautoria em desvios atribuídos à diretoria de marketing do Banco do Brasil, havia sido acolhida por um voto de diferença apenas. Para o procurador-geral não há nem sequer indícios de sua participação nas apontadas falcatruas.
Se essa é uma boa notícia para o então presidente que instalara o velho companheiro no Planalto, o resto da peça de Gurgel é só tristeza. Ele subscreveu o trabalho do antecessor em termos irrefutáveis.
O comprovado plano criminoso para a compra de votos no Congresso representa, segundo ele, a "mais grave agressão aos valores democráticos que se possa conceber". E tudo, deliberadamente, para "fortalecer um projeto de poder do PT de longo prazo". É de calar a boca até de um boquirroto como Lula. O problema é o que se anunciava já desde a abertura do processo, há quatro anos. Trata-se de julgar o processo antes que ocorra a prescrição de crimes como o de formação de quadrilha, de que é acusada a antiga cúpula petista, além do ex-ministro Dirceu, seu parceiro Marcos Valério e o notório deputado Valdemar Costa Neto, do PR, de volta à cena esta semana no escândalo do Ministério dos Transportes.
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