Por Jorge Roriz
Editorial – O Estado de São Paulo
Nos primeiros tempos do novo governo, a presidente Dilma Rousseff era aplaudida por duas características que representavam um bem-vindo contraste com o estilo de seu mentor Lula. Para os ouvidos fartos da verborragia do então presidente e para as vistas cansadas das suas incessantes aparições, a economia de palavras e a concentração da sucessora nos seus afazeres foram recebidas com um misto de alívio e otimismo. Assim também os relatos do exame minucioso que dedicava aos assuntos de sua alçada e do rigor com que cobrava da equipe a correção das lacunas ou imperfeições identificadas nos documentos que pousavam na sua mesa de trabalho – a antítese da aversão de Lula pelos textos levados à sua leitura que excedessem um par de páginas.
Mas a política é impiedosa. Bastaram os primeiros sintomas de incerteza nas decisões do Planalto (sobre o reconhecimento de que a inflação começara a voltar e a escolha dos instrumentos para contê-la, por exemplo) e as primeiras rusgas com a balofa base parlamentar governista (sobre cargos e verbas, como sempre) para que as avaliações da conduta presidencial passassem a produzir conclusões diferentes. As suas aparentes virtudes seriam, na realidade, limitações. Se ela fala pouco, é porque, além da inaptidão para se expressar em público, pouco tem a dizer. Se ela dedica tempo e energia a perscrutar com lupa os calhamaços da administração, é porque padece do vício do detalhismo e do gosto tecnocrático pela microgestão, em detrimento do diálogo com as suas forças no Congresso. Foi em meio a essa mudança de louvores para reparos que Dilma sofreu dois golpes.
O primeiro, a pneumonia que não só a obrigou a se recolher ao Palácio da Alvorada, a sua residência oficial, e a reduzir o ritmo de sua atividade, como evidenciou, com o passar do tempo, que o Planalto mentiu sobre a gravidade da doença que a acometeu. O segundo golpe, naturalmente, foi a revelação do enriquecimento, em meros 4 anos, do principal coordenador de sua campanha, o então deputado Antonio Palocci, que ela promoveu a personagem central do governo, como titular da Casa Civil e seu interlocutor com as elites nacionais. O silêncio – só ontem rompido – e a aparente inexistência de qualquer iniciativa de Dilma em face do escândalo deram azo a uma fuzilaria de críticas: procedentes, as da opinião pública; oportunistas, as dos políticos da base aliada, descontentes com o pouco-caso de Dilma e Palocci.
O comando da base vinha bloqueando, até por meios truculentos, as tentativas da oposição de convidar o ministro a se explicar. Mas o confronto entre a presidente e o PMDB a propósito da vitoriosa emenda ao projeto do Código Florestal, que anistia os cultivos feitos até 2008 em áreas de proteção permanente, instalou um clima de mala sangre entre o governo e sua base parlamentar de que a oposição, sobretudo no Senado, poderia tirar proveito para trazer Palocci às falas, no âmbito de uma CPI. Não se sabe se a presidente e o ministro já tinham se dado conta da erosão do seu patrimônio político no Congresso – e, em caso positivo, o que pretendiam fazer para recuperá-lo. O fato é que, com a sua proverbial intuição, Lula se abalou a Brasília e chamou a si o controle da crise. O resultado de sua intervenção é incerto, mas, com a sua entrada em cena, Dilma foi “ultrapassada”, como se diz na caserna quando um comandante tem diminuída a sua autoridade.
Sob a batuta de Lula, que a instou a “abrir mais” o seu governo, ela marcou sucessivos encontros com políticos petistas e aliados. Ao mesmo tempo, para dissuadir as bancadas religiosas na Câmara de abandonar Palocci à própria sorte, mandou para o arquivo morto o polêmico kit anti-homofobia – uma cartilha e cinco vídeos que o Ministério da Educação pretendia distribuir nas escolas públicas de nível médio a pretexto de promover a tolerância entre os alunos. Decerto ainda é pouco para aplacar a irritação dos políticos, a julgar pela pilha de reclamações que deixaram com Lula sobre a “indiferença” de Dilma e a “arrogância” de Palocci. Guiada pelo antecessor, ela tem o telefone e a caneta para ir ajeitando as coisas. Mas ele continua tendo de fazer o que até agora evitou: dar satisfações dos seus negócios. Do contrário, também será ultrapassado.
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