terça-feira, 4 de outubro de 2011


Tio Sam é sempre o culpado!

A recente morte de Anwar al-Awlaki, ligado ao grupo terrorista Al Qaeda, suscitou intenso debate acerca dos limites legais do governo americano na guerra contra o terrorismo. Muitos questionam se o governo tem o direito de matar cidadãos americanos sem o devido processo legal. É uma questão legítima, sem dúvida. Mas, o que mais chamou a minha atenção, neste caso, foi a reação histriônica de alguns que se dizem “libertários”. Estes condenam o Tio Sam a priori, não importa o que está em jogo. Não são os abusos que lhes incomodam, mas o próprio direito de existência do governo e deste combater o terrorismo.
Vale aqui uma ressalva: eu não acompanhei este caso específico de perto. Portanto, estou argumentando em bases mais gerais. Ao longo de tanto tempo debatendo com estes auto-intitulados “libertários”, notei que há uma turma que adota uma postura bastante cômoda, porém infantil. A de monopolizar os fins nobres, tais como a paz e a liberdade. Trata-se do conforto de uma bolha, de onde é possível condenar tudo do mundo real, sem ter de tomar partido algum quando a própria sobrevivência da liberdade está em jogo.
Vamos aos exemplos para ilustrar meu ponto. Hitler avançava sobre a Europa, e encontrou na Inglaterra de Churchill uma firme barreira. Isso faz de Churchill alguém perfeito? Claro que não. Mas isso faz dele um herói da liberdade. Só que tais “libertários” jamais aceitariam este rótulo. Para eles, é preciso atacar tudo e todos, o “sistema”, Hitler e Churchill. Cômoda postura, não? Na prática, o que tais “pacifistas” fariam? Ora, aquilo que o Partido Comunista Francês efetivamente fez: exortar os operários a abandonarem as fábricas de armas. Hitler não poderia contar com auxílio maior do que o dos “pacifistas” europeus.
Avançamos um pouco no tempo e chegamos à Guerra Fria. Império soviético de um lado, Tio Sam do outro. Há algum modelo perfeito de liberdade? Não. Há uma visão maniqueísta de mocinho contra vilão? Também não. Mas, daí a jogar ambos no mesmo saco e suspender o julgamento de quem lutava pela liberdade, há um verdadeiro abismo. O modelo americano pode estar longe do ideal (lembrando que o ideal é apenas isso, uma utopia inexistente na realidade). Mas somente alguém com muito desprezo pela razão poderia ficar “isento” nesta guerra, sem tomar partido, condenando todos de cima de uma Torre de Mafim. Posição covarde e hipócrita, pois sua liberdade dependeu justamente da ação dos americanos neste caso. Ficar revoltado de um Gulag não seria muito útil...
E chegamos, finalmente, na guerra contra o terrorismo. Alguns desses “libertários” (e não são poucos) condenam o próprio governo americano pelo terrorismo islâmico. O fanatismo de Wahhabi há séculos deve mesmo ser culpa do Tio Sam. O Irã, a Al Qaeda, Bin Laden, tudo culpa do governo americano. Se os Estados Unidos fossem “isolacionistas” nada disso existiria. Trata-se de uma visão ideológica e absurda, que culpa a vítima pelo ataque que sofre. Estes “libertários” enxergam o governo americano como um império maligno, como a grande ameaça à liberdade no mundo. É a mesma opinião que os comunistas do PSOL e PSTU têm.
Não importa que os americanos tenham sido atacados pelo Japão, venceram a guerra e deixaram o povo livre para prosperar depois, ajudando apenas a escrever uma nova Constituição mais liberal. Não importa que o mesmo aconteceu com a Alemanha, e a parte que teve intervenção americana prosperou com liberdade, enquanto a outra viveu anos de escravidão comunista. Tampouco importa que a intervenção americana na Coréia tenha preservado uma parte livre e hoje próspera, enquanto a irmã do norte até hoje vive na completa miséria e escravidão. Também não importa que sem a intervenção americana o Khmer Vermelho exterminou um terço da população do Camboja. Nada disso importa. Fatos não importam! O importante é apenas atacar o governo americano, o “império conquistador” que ameaça a liberdade no mundo. Até Chávez deve ser culpa do Tio Sam!
Alguns “libertários” chegaram tão longe na cegueira ideológica, que acusam a minarquia dos “pais fundadores” de fracasso, pois não impediu a criação do “maior governo do mundo”. Isso é sério! Desonestidade intelectual ou não, o fato é que alguns “anarco-capitalistas” (que tem muito mais de anarquista que de capitalista) realmente fizeram tal acusação. Ou seja, analisam o governo americano em termos absolutos agora, ignorando que ele é o governo do país com a maior economia do planeta. Algo como aquilo que alguns esquerdistas fazem quando comparam a poluição americana com a de outros países, ignorando este pequeno detalhe, do tamanho de suas respectivas economias...
Sobre a guerra ao terrorismo, eis o que penso: em primeiro lugar, ela é legítima, claro. O governo americano tem total legitimidade em combater o terrorismo com dureza, e pelo bem da liberdade, deve fazê-lo. Em segundo lugar, o ideal é sempre tentar capturar terroristas e levá-los a julgamento, incluindo o direito de defesa. É este império da lei que os diferencia dos terroristas. Apelar para os mesmos métodos seria uma vitória dos terroristas, e esta tentação deve ser evitada. Dito isso, claro que no mundo real esta postura ideal nem sempre será viável. Erros e até abusos vão ocorrer. Estes merecem críticas, o que ajuda a preservar o sistema, que é imperfeito, mas muito melhor que tantas alternativas.
Só que o abuso não deve tolher o uso. Ou seja, o governo americano deve insistir no combate ao terror, mesmo sabendo que o processo será tortuoso e imperfeito. A morte de Bin Laden, por exemplo, encaixa-se neste caso. O ideal era levá-lo a julgamento, como foi feito com Saddam Hussein. Mas claro que eliminar o líder da Al Qaeda foi uma conquista mesmo sem este processo. Não foram poucos os “libertários” que se mostraram até mesmo revoltados com a morte de Bin Laden. É o caso de perguntar de qual lado estão, na guerra entre Tio Sam e Al Qaeda. Alguns realmente colocam o governo americano como ameaça maior à paz mundial. Caso de hospício?
A postura realista defendida acima não me torna um “conservador”, até porque seria ridículo acusar Obama de conservador. Creio que me torna apenas um realista, preocupado com os efeitos concretos das medidas que defendo, e não com a sensação de superioridade moral por defender uma utopia “pura”, atacando tudo e todos. Eu condeno o Patriot Act, por exemplo, pois o vejo como um risco para as liberdades básicas dos americanos. Mas isso não é o mesmo que pensar que a guerra contra o terrorismo, com seus erros e excessos, torna o governo americano uma gigantesca ameaça à liberdade. Alguém realmente anda tenso pelo Central Park com medo de ser detido do nada ou levar uma bala na nuca do governo americano, porque um cidadão com ligações com a Al Qaeda foi morto no Iêmen sem o devido processo legal? Esse tipo de retórica exagerada é puro jogo político, que não ajuda nada no debate honesto.
Em suma, lamento profundamente ver que estes “libertários” cada vez mais se parecem com anarquistas e comunistas. Que outro grupo tem sempre uma resposta pronta para o culpado de todos os males do mundo? Exatamente. A turma do PSOL e do PSTU, aquela massa de idiotas úteis que lota o Fórum Social Mundial. Esses são os que culpam o governo americano por tudo de ruim no mundo. É realmente vergonhoso que pessoas que se dizem “libertárias” ou capitalistas caiam no mesmo ridículo. E, para provar que nem todo libertário é assim (e por isso usei o termo entre aspas sempre), segue a opinião realista de um libertário de verdade, David Friedman:
“Em algumas circunstâncias, as violações de direitos devem ser avaliadas por seus méritos, ao invés de serem rejeitadas a priori com base em direitos naturais libertários convencionais”.

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