domingo, 1 de abril de 2012

PAINEL 1964 - A VERDADE

Por Luiz Eduardo da Rocha Paiva

Nos anos 1960, a Guerra Fria agitava o mundo com os EUA e a União Soviética em disputa pela hegemonia global. Tinham visões distintas de como o Estado proporciona desenvolvimento, segurança e bem-estar à nação. À visão capitalista, liberal, democrática e aos valores cristãos nos EUA, contrapunha-se o ideal socialista, centralista, totalitário e materialista ateu na URSS. Embora os valores brasileiros identifiquem-se mais com a visão norte-americana, nenhuma serve ao país, em sua forma pura, pois nossas peculiaridades impõem um modelo entre o liberal e a democracia social, sendo mais próximo do primeiro.

Por outro lado, acima de crenças ideológicas estava o interesse pela hegemonia. Eram dois “impérios” em luta pelo poder mundial e a adesão do Brasil ao bloco socialista era uma prioridade da União Soviética, pois arrastaria toda a América do Sul.

Em meados de 1963, o Presidente João Goulart abandonou o plano econômico ortodoxo de Celso Furtado, devido ao seu alto custo político, e lançou um programa radical de Reformas de Base sem ter força política para aprová-lo no Congresso Nacional, daí ter tentado implantar o estado de sítio em outubro de 1963. Não foi este programa radical que determinou a queda de Jango e sim a tentativa de impô-lo na lei ou na marra, como era o slogan da campanha das Reformas de Base.

Além disso, foi fatal, também, a sua aliança com o então ilegal Partido Comunista Brasileiro (PCB), que empregava a subversão político-social e a infiltração nas instituições como estratégias prioritárias para a tomada do poder. Luiz Carlos Prestes, líder do PCB, chegou a declarar: “já temos o governo, nos falta o poder”.

Mas a luta armada também estava em preparação. Militantes comunistas faziam curso de guerrilha rural na China, havia 218 Ligas Camponesas armadas no Nordeste, sob a orientação cubana, e Brizola mobilizava os Grupos dos Onze, cujos estatutos preconizavam: “Em centros urbanos, a tática será a de guerra suja, com a utilização de escudos civis, principalmente mulheres e crianças.”; e, no caso de insucesso do movimento, determinava “o julgamento sumário de oponentes --- os reféns deverão ser sumária e imediatamente fuzilados”.

A subversão nas FA teve três momentos visíveis: a Revolta dos Sargentos em 12 de setembro de 1963; o Motim dos Marinheiros em 25 de março de 1964 – em ambos, Jango libertou os presos sem punição nem julgamento, passando por cima dos Ministros Militares; e o terceiro foi o jantar em apoio ao Presidente, oferecido pelos sargentos no Automóvel Clube do Rio de Janeiro em 30 de março, onde, além de discursos de graduados, Jango ameaçou os oficiais que se pronunciavam contra a indisciplina nos quartéis.

Para grande parte da Nação, o próprio Presidente faltava ao compromisso de defender a Constituição, gerando insegurança, desconfiança e reação numa sociedade conservadora e predominantemente católica. Dessa forma, afastou a classe média, Igreja, imprensa, a maioria dos políticos e os militares legalistas, que se uniram para corrigir o rumo imposto ao País, mesmo com o rompimento da ordem constitucional.

A Nação era imatura para a plenitude democrática e as instituições nacionais eram fracas para impor o equilíbrio e a harmonia dos Poderes diante de crises políticas agudas.

Foi o Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, que marcou a escalada do golpe comunista-sindicalista com a ameaça ao Legislativo, a quebra do direito de propriedade e a anarquia levada às ruas e quartéis para imobilizar as FA pela quebra da hierarquia, disciplina e coesão. Marcou também o início da reação organizada das forças democráticas, antes dispersas.

O movimento civil-militar de 31 de março foi apoiado pela população como mostraram as gigantescas manifestações populares antes e após aquela data. Os jornais O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, Estadão e Folha de São Paulo atestam o rumo do golpe comunista então em andamento:

Estadão de 31 de março de 1964 – “Se a rebelião dos sargentos da Aeronáutica fora suficiente para anular praticamente a eficiência da Arma, a subversão da ordem na Marinha assumia dimensões de um verdadeiro desastre nacional”.

Folha de São Paulo de 31 de março de 1964 – “Deve-se reconhecer, hoje, que a Marinha como força organizada não existe mais”.

O Globo de 31 de março de 1964 – “Seria --- loucura continuarem as forças democráticas desunidas e inoperantes, enquanto os inimigos do regime vão --- fazendo ruir tudo aquilo que os impede de atingir o poder. --- a democracia não deve ser um regime suicida, que dê a seus adversários o direito de trucidá-la ---”.

Jango, que tivera amplo apoio da Nação para tomar posse em 1961, não teve nenhuma reação das instituições, dos partidos ou do povo brasileiro em sua defesa, em 1964. Ele perdera, para o PCB, Brizola e os sindicatos, as rédeas do movimento ao qual se aliara e quisera liderar de acordo com seus propósitos.

Em 02 de abril, o Presidente do Congresso Nacional declarou vaga a Presidência da República e investiu no cargo o Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, interinamente. A Constituição determinava a eleição pelo Congresso Nacional, em 30 dias, de um novo Presidente para completar o mandato de Jango. Assim foi feito pelo Congresso Nacional, institucionalizando o novo governo.

REGIME MILITAR - PERÍODO ENTRE 1964 E 1985

O regime militar era de exceção como os próprios Presidentes reconheciam ao defenderem a necessidade de redemocratização. Autoritário, ao limitar as liberdades individuais, política e de imprensa, mas não totalitário, que elimina a liberdade e a oposição, cala a imprensa e impõe o pensamento único.

Havia o partido de oposição - o MDB - com espaço na mídia e disputando eleições livres. A bandeira do MDB era democracia já, enquanto a do partido de apoio do governo, a ARENA, era a redemocratização gradual e segura. Havia músicas de protesto, festivais da canção, grupos e peças teatrais e periódicos que criticavam o regime. Livrarias vendiam obras de linha marxista-leninista. Havia sim a ordem constitucional. Ives Gandra, no JB de 25 de março de 2004 declarou: “como todos os movimentos políticos, a revolução tem aspectos negativos, o principal deles a quebra do regime democrático, e aspectos positivos, como o crescimento da economia, o pleno emprego até 1980 e o respeito ao direito dos contribuintes e ao poder judiciário”. Tais liberdades são impensáveis em regimes totalitários como o cubano, chinês e soviético, matrizes orientadoras da esquerda revolucionária armada.

Os grupos da luta armada no Brasil não tiveram o reconhecimento de nenhuma democracia e de nenhum organismo internacional de que lutassem por democracia e liberdade ou representassem parte do povo brasileiro. Isso derruba o argumento de que exerciam direito de revolta armada reconhecido pela ONU. Por outro lado, é hipocrisia a condenação dos governos militares por setores que professavam e ainda professam a ideologia de Estados totalitários responsáveis pelos maiores crimes contra a humanidade como foram a URSS e a China, seguidos de Cuba. Se tivessem conquistado o poder e se tornado Estado, cometeriam as mesmas atrocidades de suas matrizes.

A redemocratização veio a partir de 1978, não por obra da esquerda revolucionária, então totalmente desmantelada. É um engano considerá-la vitoriosa porque antigos militantes ocupam, hoje, posições importantes na sociedade. Eles não chegaram ao poder pela força das armas e ao arrepio da lei e sim como cidadãos com plenos direitos assegurados desde a anistia em 1979. Abandonaram a luta armada, derrotados, e se submeteram às normas democráticas, reintegrando-se à sociedade na forma da lei, em pleno regime militar e como exigiam a Nação e o Estado. O Brasil tornou-se uma democracia, aspiração da sociedade, da oposição legal e dos governos militares, e não um país comunista, escravizado por um partido único, objetivo não alcançado pela esquerda revolucionária.

O Exército não mudou, mas evoluiu com o País, sem perder seus princípios e valores. Foram 16 crises político-militares de 1922 a 1964, envolvendo militares com partidos políticos e com o Exército dividido. Após 1964, e com a derrota da luta armada em 1978, veio a redemocratização. Apontem uma crise político-militar no País desde então. Foi o regime militar que separou as FA da política, reforçando as instituições e os Poderes nacionais. Foi um dos seus grandes feitos e é uma das causas da estabilidade da nossa democracia.

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