Celso Arnaldo radiografa Dilma: ‘Estamos diante de uma pessoa dramaticamente incapaz de dar forma a uma única ideia’
Da Roma antiga, que ela não saberia localizar no mapa ou na História, a São José do Rio Preto, onde há poucos dias chamou as crianças de um conjunto habitacional de “esses pequenininhos brasileiros, esses brasileirinhos e essas brasileirinhas”, as palavras desordenadas vão saindo aos solavancos, num diapasão de agonia, escoltadas pateticamente por gestos bruscos, mímicas de esforço e esgares atônitos, como se estivessem sendo trazidas a fórceps de um arquivo morto que há anos não é consultado e onde o material de pesquisa está todo embaralhado.
Pessoas têm ou não o dom da palavra – e não tê-lo não desmerece nem os políticos, que vivem sob permanente demérito. Um Jânio, um Lacerda, um Covas, mesmo um Arthur Virgílio só ocorrem raramente — geralmente há apenas um único grande tribuno em cada legislatura ou em cada governo. Mas até os maus oradores têm lampejos: um chiste de cordel, uma tirada vulgar mas sagaz, um pensamento isolado que soa genuino e original, uma admissão autodepreciativa mas comovente. Com Dilma isso nunca acontece.
Se apenas não possuísse o dom da palavra, a presidente Dilma estaria plenamente absolvida. Teria certamente seus bons momentos, como todos têm. Mas ela nunca teve nenhum, pelo menos em público. Nunca lhe ouvi uma frase inteligente, um raciocínio límpido, um jogo de palavras com sentido lógico e algum requinte metafórico, um recurso dialético, um cacoete de estadista, um pensamento superior sobre o Brasil e suas mazelas.
Ao se expressar sobre virtualmente qualquer assunto, dos estádios de futebol aos mamógrafos, passando por todos os grandes temas nacionais, ela se mostra sempre muito abaixo da linha da pobreza de expressão. Ao que tudo indica, não apenas uma pobreza vernacular, gramatical, sintática, lógica, metafórica, criativa – mas, possivelmente, a do pensamento insuficiente que precede a má palavra.
Dúvidas ainda? O discurso da presidente Dilma, na entrega de unidades do Parque Residencial Esperança, em São José do Rio Preto, é um resumo da obra. Vá ao vídeo, disponível nesta coluna, e aperte play num momento a esmo – das primeiras palavras, a 43min30s (“Bom dia, boa tarde”), às ultimas, à 1h50s (“Um abraço a todos e a todas”). Da saudação à despedida, qualquer agrupamento de palavras pinçado da fala oca e disforme impediria uma pessoa, mesmo que ungida por José Sarney, a exercer um cargo de quinto escalão no governo. Numa empresa de porte médio, tal pessoa não resistiria 30 segundos à frente do encarregado do RH. Um trecho desse discurso ou de qualquer entrevista de Dilma reproduzido numa prova de redação habilitaria o candidato a figurar nas folclóricas antologias de “pérolas do ENEM” que circulam pela internet.
Mas essa Dilma, cuja capacidade de presidir um país é posta em xeque por nós sempre que abre a boca, é tão clandestina quanto a Estela dos anos de chumbo. Hoje ainda repercutindo um resto de glória pela falsa cruzada de limpeza ética, a grande mídia releva ou não enxerga o despreparo generalizado dessa outra Dilma – aqui e ali, noticia um lapsus linguae num discurso, um Agnelo Queiroz que se torna Agnelo Rossi (mix referencial-freudiano de um cardeal com um ladrão), uma Itapira que vira Itupeva. Mas duvido que qualquer um de nossos maiores articulistas políticos, como Fernando de Barros e Silva, Dora Kramer e Eliane Cantanhêde, tenha se dado ao trabalho de ouvir com atenção, sem a cabeça do copidesque, um único dos 500 vídeos com falas de Dilma disponíveis no site do Planalto e nesta coluna.
Se a ouvissem como se deve ouvir um presidente da República — uma pessoa que, sempre que fala, se dirige à História –, talvez não mais sobrevivesse aquela Dilma de Ilíada gerada pelos subterrâneos da Casa Civil: a gerente de múltiplas e modernas competências, com uma biblioteca na cabeça, onde também está instalada uma planilha sobre-humana com números, cálculos e projeções de todos os programas do governo Lula, do qual se fez passar gostosamente, por quase oito anos, como sua principal CEO.
Ouça-se um discurso ou uma coletiva, conclua-se sem esforço ou má vontade: estamos diante de uma pessoa dramaticamente incapaz de dar forma a uma só ideia, se as tem, e dona de uma incultura geral inusitada para sua faixa de educação formal – um fenômeno complexo e instigante.
Quando se processou nela a aquisição de linguagem, houve uma ruptura traumática? Se leu tudo o que apregoa ter lido, por que não assimilou nada? Por que não consegue sequer reproduzir, sem erros grosseiros, máximas, ditados e aforismos que já fazem parte da psique popular? E por que não aperfeiçoa o discurso com a repetição de pensamentos obsessivos? (Há quase dois anos, em eventos ligados ao Minha Casa Minha Vida, ela tenta elucubrar o conceito, de resto completamente dispensável, por óbvio, de que é bom ter casa própria – e quem ouvir o grotesco discurso de São José do Rio Preto desta semana irá preferir continuar pagando aluguel ou morar de favor. A bola da vez são “os 190 milhões de brasileiros”, a cada dia, coitados, envolvidos em pensamentos mais toscos).
Não contando a fase de campanha, já dura oito meses, ininterruptos sequer por uma frase de três palavras, a mais constrangedora exposição pública via oral de um presidente da República. O fato de o blog do Planalto reproduzir as falas presidenciais sem nenhum retoque, e nenhum pudor, é apenas a negação da língua como metáfora.
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