quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Meia volta, volver.


Vez por outra, a América Latina enverga o caminho. Se os anos 80 demarcaram a redemocratização, a década de 90 ficou para as reformas liberais, com venda de estatais perdulárias e abertura de mercados enclaustrados. No rescaldo, chegou o novo milênio, pela porta da esquerda. Foi a grande “onda rosa”, de Manágua a Santiago. A ordem do dia era a intervenção na economia, capitalismo de Estado, crédito fácil para os consumidores e mimos para empresas campeãs. O que virá agora?

Se depender dos fiadores do poder atual, a temporada rosa ainda vai longe. Até 2022 no Brasil, afirma o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, o líder petista quer mais. Figura fácil no horário eleitoral alheio, só neste ano gravou mensagens de apoio ao venezuelano Nicolás Maduro, à socialista hondurenha Xiomara Castro e à chilena Michelle Bachelet. No último Foro de São Paulo, exortou os latinos para acenderam o “farol” para a “enfraquecida” esquerda global.

Falou tarde. Do Cone Sul ao istmo centro-americano, partidos e propostas da esquerda começam a perder seu encanto. No México, Enrique Peña Nieto, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), trouxe de volta a sobriedade fiscal e reformas capitalistas. Na Colômbia, Juan Manuel Santos baixou o tom do seu belicoso antecessor, Álvaro Uribe, mas manteve as políticas liberais e a linha dura contra o narcoterrorismo que deve lhe garantir a reeleição.

Mais ao sul, a dinastia K chega ao fim pela mesma via que ascendeu: as urnas. A derrota cavalar dos aliados da presidente Cristina Kirchner nas eleições de novembro enterrou seu projeto para voltar à Casa Rosada. Dilma Rousseff mantém-se favorita nas pesquisas para 2014, mas, com a economia atolada, um segundo mandato teria bem menos benesses e mais austeridade, para desagrado da base rosada. No Chile, a socialista Bachelet deve vencer o segundo turno, dia 15, mas não terá a maioria necessária para impor as reformas radicais que esboçou.

Ainda mais delicada é a situação de Maduro, que se elegeu sucessor de Hugo Chávez pelo fio da navalha e hoje pena para ressuscitar a economia venezuelana, beirando a ruína. Em Paraguai, Honduras, Panamá e Guatemala, partidos do centro-direita assumiram.
Não se pode falar ainda numa nova onda liberal, mas a longa volta pela tangente esquerda latina perdeu seu rumo. Até porque seu rumo partiu mais das circunstâncias do que de convicções. A onda rosa sempre dependeu de outra onda maior, a dos commodities, essa puxada pela economia chinesa, que agora começa a arrefecer.

O boom se foi e, com ele, foi-se também o pacote de bondades – emprego farto, crescimento forte, crédito barato – com que os governantes latinos conquistaram corações e mentes. De quebra, os países mais desenvolvidos ensaiam uma recuperação. O Fed (Banco Central dos EUA) subiu os juros, enxugando a liquidez que deu lastro aos emergentes.

Avanços tecnológicos também puxaram o tapete dos mandatários cor de rosa. No auge, Chávez portou-se como o xeque do Orinoco, brandindo suas amplas reservas de petróleo como arma contra os dependentes da energia importada. A revolução na extração de gás de rochas terrestres – o fracking -, porém, redesenhou o mapa da energia global. Hoje, os EUA caminham para a auto-suficiência energética e vendem mais combustível para a América Latina que a Venezuela.

É hora de a América Latina tirar as reformas esquecidas da cartola. O Chile mostrou o caminho com os estímulos anticíclicos: poupar em dias fartos para gastar na adversidade. Os surfistas da onda rosa aprenderam a lição pela metade. A bonança os autorizava gastos, aparelhamento da máquina pública e empréstimos subsidiados. A escassez, mais ainda. Equilíbrio fiscal, metas de inflação, dívidas enxutas tornaram-se opção facultativa. Pelo jeito, sua passagem pelo poder, também.

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