quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Apagão logístico

Uma velha história conta qual foi o resultado de uma sindicância instaurada em algum ponto da França no início do século 19.
Ao passar por uma aldeia, Napoleão Bonaparte ficara indignado porque os sinos da igreja local não repicaram em sua homenagem, como era de praxe. Imediatamente, mandou instaurar um inquérito para apurar responsabilidades. Os mais velhos do lugar se reuniram e apresentaram uma longa exposição de motivos para tentar explicar por que não acontecera o que deveria ter ocorrido.
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Napoleão. E as badaladas? (FOTO: REPRODUÇÃO)
A lista começava com a informação de que o sacristão estava doente e, sendo assim, se encontrava impedido de cumprir suas funções. E prosseguia: a escada de madeira que dava acesso ao campanário estava deteriorada e nela faltavam alguns degraus; havia cinco anos, a cordinha do sino tinha sido danificada e, dois anos depois, o sino perdera o badalo… A relação se estendia por mais e mais explicações. A última delas era de que não existia mais sino, por impossibilidade de uso, tinha sido removido.
Será mais ou menos o que a Agência Nacional de Aviação Civil vai encontrar no relatório que, dentro de alguns meses, lhe será encaminhado com as razões pelas quais um estouro de um pneu de avião cargueiro na pista de Viracopos paralisou o aeroporto por 46 horas, causou o cancelamento de nada menos que 495 voos, bagunçou a vida pessoal e profissional de cerca de 40 mil passageiros e impôs prejuízos milionários às companhias de aviação.
Se for até às suas últimas consequências, a sindicância acabará concluindo que a administração deste país não se comove com os problemas de infraestrutura pelos quais passa a economia, mesmo tendo de entregar serviços de Primeiro Mundo durante a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.
A administração atual do Brasil entende que concessões e parcerias com o setor privado não passam de privataria e que tudo o que não é estatal ou não serve ou não presta. É a mesma que segue imaginando que estimular o consumo seja o suficiente para assegurar automaticamente os investimentos do setor privado e o aumento da produção nacional.
O apagão dos aeroportos é somente um dentro de uma lista enorme de apagões de logística que emperrem o avanço da economia. Há os apagões elétricos, das ferrovias, dos metrôs, das rodovias, dos portos e das comunicações (em especial da telefonia). Há o apagão do trânsito das grandes cidades, o da segurança pública, o dos sistemas de saúde e o da educação e do ensino. E há, ainda, o apagão da produção de petróleo e derivados, da Previdência Social, do sistema tributário, os provocados pela poluição do ar e da água, o dos licenciamentos ambientais, o dos marcos regulatórios, o das agências de regulação, o do Judiciário, o apagão da governança pública, o do sistema político – e ninguém deixe de incluir nesta lista o apagão moral.
Eis por que um simples estouro de pneu no aeroporto de melhores condições meteorológicas do País pode provocar um pandemônio. O Brasil vive uma situação em que os serviços públicos operam no limite. Qualquer imprevisto ou qualquer imponderável pode ser suficiente para provocar o colapso de tudo… e a falta de badaladas.
CONFIRA
No gráfico, a evolução da “brecha” entre o câmbio oficial e o câmbio paralelo (dolar blue) na Argentina.
Isolados. Nesta terça-feira, foi a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, quem reconheceu como legítimo o direito do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) de emitir moeda para tentar tirar a economia da encalacrada. A presidente Dilma, o ministro Guido Mantega e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, estão mais isolados na defesa da tese da “guerra cambial” e da “política egoísta do Fed”.  (Celso Ming)

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